ANÁLISE DA COMPOSIÇÃO DOS COMITÊS DE CRISE DA COVID-19 DO GOVERNO FEDERAL

DOCUMENTAÇÃO

Tema: Evidências científicas e relatos de experiência sobre Covid-19

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Certificado de Angela Cristina Rocha de Souza

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AUTORIA

Ionete Cavalcanti De Moraes , Angela Cristina Rocha De Souza , Maria Iraê De Souza Corrêa , Fábio Vieira José Duarte Filho , Mirella Patrícia Bonfim Neves

ABSTRACT
Em um contexto contemporâneo marcado por crises de diversas naturezas, observamos, cada vez mais, uma pressão para que a administração pública apresente respostas rápidas para a solução de problemas complexos. Há quase duas décadas, Gormley (2002) já defendia a necessidade de desenvolvermos melhores sistemas de governança diante de perspectivas que apontam para o aumento de ameaças e riscos. Isso porque o enfrentamento dessas crises requer uma coordenação governamental que possibilite a troca de experiências e viabilize, rapidamente, medidas necessárias que transcendem as barreiras governamentais em direção a esforços colaborativos entre o poder público e a sociedade civil (PETERS; PIERRE, 1998; MENDONÇA; NOGUEIRA, 2019). Tendo como base os preceitos da governança pública, uma medida usual tomada pelos governos diante de situações de crise é o estabelecimento de comitês responsáveis pelo enfrentamento do problema e suas possíveis repercussões, aumentando a responsividade da gestão pública (IPEA, 2020). No contexto atual, não foi diferente. Com a crise decorrente da doença provocada pelo novo coronavírus, a administração pública brasileira, em suas diferentes esferas, vêm instituindo comitês para o combate aos problemas advindos da disseminação da COVID-19. Na esfera federal, por meio da criação desses comitês, o governo objetiva supervisionar e monitorar os impactos do coronavírus, assim como articular medidas de enfrentamento à doença (IPEA, 2020). Mas como esses interesses estão sendo representados nos órgãos instituídos? De que forma o governo federal constituiu os comitês estabelecidos para enfrentar a pandemia? A partir desses questionamentos, o objetivo geral desta pesquisa é analisar a composição dos comitês de crise que o governo federal instituiu para tratar os problemas gerados pelo novo coronavírus. Nesse sentido, esse estudo se justifica pois seus resultados contribuem para a produção de conhecimento sobre práticas de governança em situações de crise na gestão pública. 
O conceito de governança emergiu nas últimas décadas do século XX e se tornou pauta de diversos debates, trazendo uma maior atenção às questões relacionadas ao empoderamento da sociedade, a reformulação dos processos decisórios e de implementação de políticas públicas (MELO, 2014; SIMIONE, 2014). As transformações que têm ocorrido nas formas de governar estão relacionadas, de acordo com Streit e Klering (2004) e Frey (2007), à adoção de práticas de governança que contribuem para a melhoria da gestão administrativa, na democratização dos processos de tomada de decisão, no desenvolvimento econômico e social, e no acréscimo de vantagem competitiva. Frey (2007) define a governança pública como uma tendência de gestão compartilhada e interinstitucional que envolve o setor público, a iniciativa privada e o crescente terceiro setor. Ela representa, assim, uma nova forma de gerir caracterizada pelo compartilhamento do protagonismo entre os mais diversos agentes sociais. Nesse sentido, para o autor, é necessária a ampliação do número de agentes nos processos de decisão e de formulação de políticas públicas. Na prática da governança, Bardach (2001) salienta que cada participante traz um conjunto de atitudes, valores, interesses e conhecimentos individuais, além das culturas, missões e mandatos das organizações ou constituintes que eles representam. Nesse sentido, Ronconi (2011) considera a eficácia da horizontalização das relações, assim como a qualidade e densidade da representação, como fatores asseguradores da continuidade e da institucionalização das experiências de governança. Uma ampla participação de atores de diferentes representações contribui no alcance de uma maior legitimidade democrática na prática de governança. A legitimidade, segundo Considine e Afzal (2011), é um requisito crucial para as organizações do setor público, uma vez que está diretamente relacionada à sua aceitabilidade e credibilidade tanto dos cidadãos quanto de outras partes interessadas. Na gestão de crises, a prática de governança pública impõe desafios a sua aplicação considerando-se que crises demandam ações rápidas para a resolução de problemas complexos. Entre os desafios está a coordenação de tarefas e esforços de atores para a superação da crise. A coordenação visa criar coerência nas ações do governo, de modo a reduzir redundâncias, lacunas e contradições dentro e entre iniciativas e organizações (PETERS, 2015). Nesse sentido, o grande desafio para a ação governamental é elaborar estratégias que considerem: diferentes perspectivas do problema; formas de diálogo e articulação entre os atores com competência para afetar as medidas que serão colocadas em ação e a velocidade de resposta necessária à solução da crise (IPEA, 2020).
Com o intuito de analisar a composição dos comitês de crise que o governo federal instituiu para tratar os problemas gerados pelo novo coronavírus, realizamos uma pesquisa documental. Esta pesquisa, segundo Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009, p. 13), “apresenta-se como um método de escolha e de verificação de dados”, propondo-se a produzir ou reelaborar conhecimentos, interpretando documentos, sintetizando informações, determinando tendências e fazendo inferências. No que se refere à coleta de dados, foram feitas buscas no portal eletrônico do Diário Oficial da União, visando o levantamento de decretos que apresentassem informações quanto à criação e formação de comitês de gestão de crise em âmbito federal. Posteriormente, foi feito o mapeamento dos agentes identificados como membros desses comitês, que foram classificados conforme sua área de atuação, setor (público ou sociedade civil), esfera governamental (municipal, estadual, regional ou federal), poder (executivo, legislativo ou judiciário), representantes do empresariado e dos funcionários.
Na análise, observamos que foram criados pelo governo federal três grupos, no período de janeiro a março de 2020, visando o enfrentamento da crise no Brasil. São eles, em ordem cronológica de criação: Grupo executivo interministerial de emergência em saúde pública de importância nacional e internacional, Comitê de crise para supervisão e monitoramento dos impactos da COVID-19, Centro de coordenação de operações do Comitê de crise para Supervisão e monitoramento dos impactos da COVID-19. Foram identificados um total de 30 órgãos participantes dos grupos acima criados. O Grupo Executivo Interministerial é composto por sete órgãos públicos, do Executivo Federal, com atuação nas área de segurança, saúde, relações exteriores, justiça e gestão. Dentre suas atribuições destaca-se a proposição, acompanhamento e articulação tanto das medidas como da alocação de recursos a elas correspondentes, tendo em vista o enfrentamento do vírus. Já o Comitê de Crise, composto de 21 órgãos públicos, foi instituído para articular e monitorar as ações interministeriais e para assessoramento da presidência. As áreas de atuação deste comitê são segurança, saúde, relações exteriores, justiça, infraestrutura, gestão, finanças, educação, economia e assistência social. Por fim, do Centro de Coordenação das Operações, fazem parte 25 órgãos, todos do Executivo Federal, que atuam basicamente nas áreas do Comitê de Crise. Suas atribuições são coordenar as operações determinadas pelo Comitê; articular e monitorar, com entes públicos e privados, as ações de enfrentamento da pandemia e de seus impactos, entre outras. Diante disso, constatamos que os três grupos constituídos pelo governo federal para tratar dessa crise  foram compostos exclusivamente por órgãos do setor público, do poder Executivo e da esfera federal. Deles não participam entes da sociedade civil. Contudo, de acordo com a norma, o coordenador do Grupo Interministerial poderá convidar representantes de outros órgãos e entidades, públicos ou privados, para participar de suas reuniões, mas sem direito a voto. Este resultado demonstra que na constituição dos comitês analisados não se observa, como afirma Frey (2007), uma presença interinstitucional compreendendo além do setor público, a iniciativa privada e o terceiro setor.
Como considerações finais, entendemos que a literatura acadêmica sobre o enfrentamento de crises ressalta a importância de sistemas de governança pública como mecanismo de articulação de interesses e como prática mobilizadora de esforços colaborativos entre o poder público e entes privados. Tal mecanismo não foi observado na composição dos comitês pesquisados, uma vez que deles não fazem parte representantes da sociedade civil. Uma das explicações para isso pode estar na dificuldade de implementação da governança numa situação de crise, quando a emergência das ações pode comprometer a maior participação e também o tempo necessário para discussão de alternativas e tomada de decisão quanto aos planos de ação. É preciso considerar também que as práticas de governança não estão amplamente consolidadas na gestão pública brasileira e alguns de seus pilares, como participação e transparência, parecem confrontar com a abordagem de comando e controle que embasa o governo federal.

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COMENTÁRIOS
Foto do Usuário Joao Carlos Alchieri 09-02-2021 09:50:35

O material embora com tematica atual e importante e escrito de forma adequada sem necessidade de revisao, poderia ter seu escopo mais descritivamente contemplado. O leitor sente a necessidade de maior detalhamento e discussão das informaçoes.

Foto do Usuário Caroline Leandro Sobrinho 09-02-2021 09:50:35

Em tempos pandêmicos sempre os estudos trazem uma direção a ser considerada.

Foto do Usuário Clenis Evila Silva Dos Santos 09-02-2021 09:50:35

Tema necessário de discussão atualmente. A discussão dos resultados poderia ser mais ampla e aprofundada e a metodologia melhor aprofundada.

Foto do Usuário Bárbara Soccoloski Sordi 09-02-2021 09:50:35

O tema do artigo e de muita relevância. Faltou utilizar o template do evento. Quais as considerações finais do artigo unindo os três tópicos?

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