O Impossível Sonho da Fabricação: a Docência Ameaçada pelo Ninguém
DOCUMENTAÇÃO
Tema: Mal-estar contemporâneo e impasses na educação
Temas Correlatos: Formação e trabalho de profissionais da infância;
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AUTORIA
Caroline Fanizzi
ABSTRACT
É bastante recorrente, nos dias atuais, tomarmos contato com um vasto e diversificado conjunto de enunciados que tratam da precariedade e desvalimento da profissão docente. Com o intuito de acrescentarmos mais uma camada às análises que concebem o chamado mal-estar docente como um fenômeno decorrente da precariedade das condições em meio às quais um professor realiza o seu ofício - baixos salários, elevada carga de trabalho, superlotação das salas etc. -, buscaremos examinar as relações que parecem se estabelecer entre o sofrimento de um professor e as condições sustentadas pelo discurso de tecnicização do ensino. Esse discurso, de maneira geral, estrutura-se em torno da autonomia e centralidade da dimensão técnica no educar, e tenciona a supressão do impossível que nele se aninha. A partir de uma perspectiva arendtiana, poderíamos considerá-lo como uma tentativa de transformar a educação em uma atividade semelhante àquela da fabricação - uma atividade que opera sob a lógica dos meios e fins, tem um o começo definido e um fim previsível. Ocorre, todavia, que o sucesso de uma educação conduzida desse modo depende da renúncia dos sujeitos à ação e à enunciação - a propriedade mais específica do que é um sujeito (Lebrun, 2004). A docência torna-se, nessa lógica, um ofício que prescinde da presença de um alguém (Arendt, 2015), de um sujeito capaz de agir, propor o novo, acolher e gerir o imprevisto. Realizável por um ninguém (Arendt, 2015), ao ensino bastaria um bom conjunto de métodos e um aplicador capaz de se comportar. A partir de Arendt (2015), o comportamento - previsível, determinado, automático - pode ser considerado como um modo de enclausuramento da ação e da enunciação, visto que lhes furta a espontaneidade, a liberdade e a façanha extraordinária que comportam. Parece-nos ser, justamente essa, a figura docente visada pelo discurso de tecnicização do ensino: uma figura supérflua, desarraigada e incapaz de fazer emergir algo da ordem do desejo.
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