ESCOLA E TENDENCIA ANTISSOCIAL: PRISMA DA PSICANÁLISE WINNICOTTIANNA

DOCUMENTAÇÃO

Tema: Educação, formação e treinamento em saúde

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AUTORIA

Adriana Silva Campos Cardoso

ABSTRACT
ESCOLA E TENDENCIA ANTISSOCIAL: PRISMA DA PSICANÁLISE WINNICOTTIANNA
AUTORAS: 
Adriana Silva Campos Cardoso – Mestranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense
Marília Etienne Arreguy - Orientadora
RESUMO
 O diálogo entre a psicanálise elaborada por Winnicott e a educação é uma tentativa de reflexão em torno dos aspectos ocultos, subjacentes à natureza humana. Neste resumo procura-se apresentar as contribuições de Donald Woods Winnicott à compreensão da tendência antissocial manifesta no processo de escolarização em crianças e adolescentes. O conceito tem como referencial a teoria do amadurecimento pessoal desenvolvida pelo autor. Tendo o comportamento antissocial sua manifestação na mentira, no roubo, na destrutividade e na violência, a criança busca no ambiente uma possibilidade de reaver a provisão ambiental perdida. O cerne da tendência antissocial é a experiência de deprivação. Assim, este trabalho traz a teoria psicanalítica como forma de compreender o processo de desenvolvimento afetivo e seus desvios no campo educacional. Além disso, traz uma proposta de reflexão a cerca do manejo da tendência antissocial na medida em que seus efeitos se tornam cada vez mais presentes no cotidiano da escola, transtornando professores, pais, estudantes e todos que estão submetidos a atos transgressivos, impulsivos e agressivos vindos de algumas ou muitas crianças e jovens.
PALAVRAS – CHAVE: Escola, tendência antissocial, psicanálise e educação.
INTRODUÇÃO
	A escola sempre foi um espaço de promoção das aprendizagens formais, bem como de integração social e tem sido inda mais alvo de pesquisas para promoção de políticas que a beneficiem. Entretanto, a violência e a delinquência têem sido uma constante em seu cotidiano. Os conflitos gerados pela diversidade, pela imposição das regras e normas, afetam o cotidiano da escola gerando violência e a ganhando ainda mais força do que em outras épocas. O universo compartilhado da escola parece gerar sintomas que torna esse ambiente ameaçador e indesejado. Por essa razão o tema da tendência antissocial tem sido um conhecimento importante para área da educação. A forma de organização da sociedade não depende apenas das estruturas sociais como a economia e a política mas também da constituição do ser humano, da subjetividade que o compõe e favorece a formação da sua cidadania. Faz-se necessário considerar os aspectos psíquicos que estão presentes no cerne da constituição da pessoa bem como dos comportamentos que se manifestam em diferentes espaços sociais principalmente a escola. O roubo, a mentira, a destruição do patrimônio público, os ataques aos colegas e professores e outras práticas antissociais tiram da escola sua tarefa de promover proteção, confiança e acolhimento. Os atos delinquentes já foram analisados e estudados por vários psicanalistas ao logo da história. Donald Woods Winnicott trouxe um novo paradigma à psicanálise tradicional quando desenvolveu uma teoria que pode ser aplicada nos diferentes espaços sociais, em especial no âmbito da educação. Construiu sua teoria do amadurecimento pessoal no final dos anos 30. Após sua experiência como psiquiatra do Plano de Evacuação em Oxfordshive trouxe esse importante conceito de tendência antissocial que o ajudou a oferecer às crianças separadas de seus pais mais do que um atendimento clínico. Teve que incluir aspectos do cuidado e satisfação das necessidades básicas dessas crianças tidas como difíceis. 
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
	A educação tem sido um dos campos de muitos debates nos últimos tempos, haja vista o quadro de violência, “delinquência” juvenil e tendência antissocial que se intensificam continuamente no universo escolar. Embora Winnicott use o termo “delinquência”, e este tenha ainda uso corrente mesmo em países ditos desenvolvidos, evitaremos usar esse termo, dada a sua conotação pejorativa. Desde a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil, em 1990, por força da influência teórica de correntes progressistas, convencionou-se optar pela expressão “juventude em conflito com a Lei”, em vez de taxar peremptoriamente os jovens. A psicanálise tem muito a contribuir com esse fenômeno pois busca compreender os mecanismos de identificação determinantes nos processos educativos, além de abordar os elementos efetivos que envolvem a manifestação da angústia, da atitude reativa e de medos presentes nas relações escolares. Dessa forma, traz considerações importantes na compreensão dos aspectos inconscientes que atuam sobretudo nos comportamentos antissociais de crianças e adolescentes. Winnicott contribuiu consideravelmente com a psicanálise introduzindo uma mudança paradigmática ao sentido edipiano ou triangular conforme postulado por Freud ao longo de toda sua obra. Mas, diferentemente de Freud e de Melanie Klein, sem olvidar seus ensinamentos, mas contestando-os para aprimorá-los, Winnicott formulou suas ideias em torno de um núcleo central a respeito da natureza humana, contextualizando-a em uma teoria do amadurecimento pessoal normal. Nesta, Winnicott descreve os estágios do desenvolvimento pelo qual o indivíduo passa para constituir-se num si mesmo pessoal. A esse processo, Winnicott chamou de integração. Para atingir o status de unidade, o bebê precisa ser amparado num ambiente suficientemente bom, com alguém adaptando-se às suas necessidades que são variáveis. É preciso prover para a criança o ambiente que facilite a saúde mental individual e o desenvolvimento emocional (Winnicott, 1983, p.63). A pessoa privada de cuidados ambientais pode apresentar uma série de patologias que comprometem sua interação no mundo. A experiência da deprivação como descrita pelo autor é igualmente prejudicial para crianças em fase de desenvolvimento, pois podem vir a constituir uma defesa antissocial  e apresentar problemas básicos que se manifestam de forma previsível. Estariam a família e a escola provendo seus estudantes de um ambiente suficientemente bom? Por que tantos jovens vêm atacando colegas e professores de forma tão brutal, numa espécie de naturalização da violência? O que lhes foi tirado para que necessitem retomar à força? Por ventura, não seria uma fala costumeira de muitos professores, quando são exigidos demais: “-Não sou formado para isso!”? Se levarmos em conta o inconsciente, veremos que há aí processos sutis que podem não ser percebidos diretamente, que precisam ser explicitados.
 Ao fazer uma experiência de atendimento com crianças, sem suas mães, evacuadas durante a Segunda Guerra, Winnicott destacou que isso poderia conduzir a distúrbios psicológicos sérios e de amplo alcance. Em uma carta escrita junto com John Bowlby e Emanuel Miller, endereçada ao Britishh Medical Journal em 16 de dezembro de 1939, vemos: Um importante fator externo na causação da delinquência persistente é a separação prolongada de uma criança pequena de sua mãe. A leitura da psicanálise, entretanto, não poderia se resumir a fornecer interpretações. Winnicott percebeu que era preciso introduzir o ambiente no arcabouço teórico da psicanálise. Enfatizou que a provisão ambiental é necessária para a constituição do EU unitário. Dentre os inúmeros conceitos formulados por Winnicott, está o da tendência antissocial que não foi elaborado para designar uma modalidade de diagnóstico clínico, mas um continuum de comportamentos e atitudes que em maior ou menor grau, todas as pessoas podem apresentar. Este comportamento se refere a um sinal de esperança em recuperar a experiência do ambiente suficientemente bom que foi perdida durante o período de dependência relativa. Neste estágio do desenvolvimento ocorre uma desadaptação da mãe em relação às necessidades do  bebê. Sobre essa fase específica podemos compreender que:
Durante esse período, as tarefas de integração no tempo e no espaço, de alojamento da psique no corpo e de contato com a realidade, paralelas à constituição do si-mesmo primário, que tiveram início no estágio da primeira mamada teórica, prosseguem na linha do amadurecimento, exigindo novas resoluções que se constituem em novas tarefas. (Dias, 2003, p.227)
 O indivíduo sofre então o que Winnicott chamou de deprivation (deprivação). Segundo o teórico:
Uma criança torna-se de-privada quando é destituída de algum aspecto essencial de sua vida em família. Algum grau do que poderíamos chamar de ‘complexo de de-privação’ começa a se manifestar. O comportamento anti-social aparece em casa ou num contexto mais amplo (Winnicott, 2000, p.409). 
O que ocorre durante essa fase é que a falha ambiental foi percebida pela criança no momento em que ocorreu. Ela experimentava uma provisão ambiental suficientemente boa e a perde repentinamente. A experiência de continuidade da existência que era real foi substituída por uma reação à falha ambiental. Esse sistema de defesas interrompeu o sentimento de continuidade de ser. Este é o ponto de origem da tendência antissocial. Tem início uma série de comportamentos que tomam conta da criança sempre que se sente esperançosa. Espera que alguém a reconheça e a corresponda no sentido de corrigir a falha vivida. A criança muitas vezes, sob atos antissociais é tratada pela sociedade como mal ajustada. As manifestações mais sérias da deprivação geram na criança uma defesa anti-social que levam por sua vez a transtornos na personalidade e conflitos com a lei. O psicanalista teve contato direto com angústias infantis graves, decorrentes das perdas em função da catástrofe, destruição e morte gerados pela guerra. Observou então que a tendência antissocial e a malfadada “delinquência” eram uma reação de defesa às falhas ambientais vivenciadas precocemente pela criança. Na escola é possível perceber a manifestação da tendência antissocial pelos sintomas definidos pela psiquiatria como “hiperatividade”, “déficit de atenção”, transtorno opositor desafiador e, em alguns casos, isso pode evoluir para mentiras, furtos, destruição do patrimônio físico e chegar a condutas antissociais mais graves. A criança ou adolescente tem dificuldade no relacionamento interpessoal e de se submeter a regras de convivência. Porém essas transgressões, o sadismo e a anti-socialibidade não podem ser atribuídos a uma “essência má ou perversa” da criança, posto que são uma consequência das falhas sofridas nos primeiros vínculos com o mundo.
A tendência anti-social caracteriza-se por um elemento que compele o ambiente a tornar-se importante. O paciente, devido a impulsos inconscientes, obriga alguém a encarregar-se de cuidar dele. A tarefa do terapeuta é a de envolver-se com esse impulso inconsciente do paciente, e o trabalho é realizado em termos de manejo, tolerância e compreensão (Winnicott, 2000, p.409)
Neste sentido, a escola tem um importante papel social de oferecer a crianças e adolescentes um ambiente suficientemente bom, capaz de promover uma recuperação significativa uma vez que se encontrar presente a manifestação de atitudes antissociais.
Se a situação se mantém, o ambiente deve ser testado repetidamente em sua capacidade para suportar a agressão, para impedir ou reparar a destruição, para tolerar o incômodo, para reconhecer o elemento positivo na tendência anti-social, para fornecer e preservar o objeto que é procurado e encontrado (Winnicott, 2005, p.146)
É preciso considerar que uma criança ajustada, que não perdeu a provisão ambiental vai para o ambiente escolar com o objetivo de aprender e deseja que a escola realmente ensine. Ela íntegra nesse ambiente, e até ajuda,  mantendo-o, desenvolvendo-o e modificando-o. Entretanto, a criança ou o adolescente considerado desajustado precisa de um ambiente que esteja voltado para os cuidados efetivos para com estes, muito além do que manter a preocupação exclusiva ou prioritária com o ensino. Para Winnicott, o ensino se torna secundário. Segundo ele no caso de criança desajustada, ‘escola’ tem o significado de ‘alojamento’ (Winnicott, 2005, p.215). O psicanalista aponta para o fato de que os profissionais de educação envolvidos na administração de crianças antissociais não são meros professores que acrescentam um conhecimento aqui e outro ali. São, de fato, psicoterapeutas de grupo que acrescentam uma pitada de ensino (Winnicott, 2005, p.215).Ou seja, em se tratando de crianças e adolescentes com comportamentos antissociais o que se pode oferecer é uma provisão ambiental no espaço escolar, no intuito de uma recuperação do seu processo de integração pessoal. O desajustamento para Winnicott significa que:
Em alguma data precoce, o ambiente não se ajustou adequadamente à criança e esta vê-se forçada, portanto, a assumir o trabalho de cobertura e, assim, a perder a identidade pessoal, ou então pressionar a sociedade, forçando outra pessoa a agir como cobertura, de modo que a oportunidade possa surgir para um recomeço coma integração pessoal (Winnicott, 2005, p.221)
Portanto, há um elemento positivo na tendência antissocial que diz respeito a esperança de encontrar no ambiente o objeto perdido. E isso move o verdadeiro self  destas crianças e jovens: uma tentativa de vida, embora completamente enviesada aos olhos dos adultos que a cercam e não a compreendem. Em geral o que encontramos na escola contemporânea é a punição, a retalhação e a exclusão daqueles que apresentam todo e qualquer comportamento antissocial. As instituições de ensino não dispõe de recursos humanos suficientes para tolerar, dar holding e manejar as expressões de agressividade de um sujeito, considerando este comportamento apenas nocivo e ameaçador. Há um desconhecimento sobre o fato de que há uma esperança subjacente à atuação antissocial invalidando os esforços infantis de manterem-se vivos e serem reconhecidos.

METOLOGIA
	Foram realizadas pesquisas teóricas nas obras de Winnicott sobre o tema da tendência antissocial, além de uma revisão narrativa da literatura. Por se tratar de um resumo expandido foram retirados aspectos da trajetória do autor durante a elaboração desse conceito, bem como suprimidos os exemplos dos casos analisados por ele. Por dia de síntese, não foi possível a apresentação sistemática da teoria do amadurecimento pessoal elaborada por Winnicott, ficando reservada essa demonstração teórica ao longo de construção de dissertação de mestrado. 


CONSIDERAÇÕES FINAIS
	Ao analisar os conceitos apresentados pode-se concluir que há uma importante contribuição da psicanálise na compreensão do processo de desenvolvimento emocional do indivíduo para a comunidade escolar. Sobretudo, a compreensão dos aspectos subjacentes ao comportamento da tendência antissocial, que se manifesta no roubo, na mentira, na destrutividade e na violência. Esse importante conceito não só explica o fenômeno da tendência antissocial como também oferece a possibilidade de reflexão a respeito das ações e manejos que a escola pode oferecer na reparação das falhas ambientais sofridas pela criança. O indivíduo que sofreu uma deprivação, ou seja, a perda da provisão ambiental, que lhe oferecia sustentação, apresenta agora comportamentos antissociais na tentativa de reaver deste novo ambiente o que foi perdido. A escola e seus interlocutores são na verdade este contexto mais amplo, que deve se tornar provedor e não apenas recriminador. É também o espaço onde, observados os impulsos inconscientes da criança, poderá se desenvolver um ambiente de cuidados de modo que o trabalho a ser realizado será o manejo, a tolerância e a compreensão. 
REFERÊNCIAS
Dias. E.O. A Teoria do Amadurecimento de D.W.Winnicott, Rio de Janeiro, Imago, 2003.
Winnicott. D.W. Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro, Imago, 2000.
_____________ Deprivação e delinquência. São Paulo, Martins Fontes. 2005.
_____________O Ambiente e os Processos de Maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, Artmed, 1983.

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COMENTÁRIOS
Foto do Usuário David Nogueira Silva Marzzoni 09-02-2021 09:50:35

Parabéns aos pesquisadores. Trabalho bem organizado, segue a proposta da metodológica utilizada, o assunto é bastante interessante. Contudo, a pesquisa cita o autor ''Winnicott'' de forma errada em algumas partes do texto, sem citar o ano da obra. O manuscrito também não obedeceu as normas básica do template do CONVIBRA. Apesar das falhas, a pesquisa não foi comprometida.

Foto do Usuário Laís Xavier De Araújo 09-02-2021 09:50:35

Parabéns aos autores! Tema muito interessante, fui atraída já pela leitura do título. O colega anterior já fez observações bastante pertinentes. Trabalho segue uma boa estrutura e o conteúdo é bem rico no geral. Pergunta: O resumo trouxe a questão do comportamento antissocial associado à roubos,mentiras, violência e etc. Porém, no senso comum, a timidez e uma pessoa reservada demais, também são consideradas antissociais. A partir da educação, como podemos trabalhar essa temática esclarecendo os conceitos corretos, de forma que possamos traçar estratégias que ajudem no trabalho educativo tanto do antissocial quanto no desenvolvimento de uma pessoa tímida (que também apresenta uma dificuldade de se comunicar e interagir na sociedade)?

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