Quando as crianças conversam e bordam - uma experiência com rodas de bordado com refugiados

DOCUMENTAÇÃO

Tema: Pandemia, perdas, luto

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AUTORIA

Thoya Lindner Mosena

ABSTRACT
Este trabalho tem por objetivo propor algumas reflexões a partir de uma experiência de escuta que, embora não tenha acontecido no ambiente que costumamos circunscrever propriamente como clínico, guarda pontos de contato com aquilo que fundamenta nosso campo de trabalho. Entre maio de 2020 e dezembro de 2021, ou seja, em plena pandemia do covid-19, foi desenvolvida uma roda de bordado com crianças venezuelanas refugiadas com suas mães em um abrigo temporário no Rio de Janeiro. Em função da exigência de distanciamento social, esse grupo de crianças ficou impedido de frequentar a escola, e se viu confinado por longos meses, com outras famílias desconhecidas até então, numa casa bastante afastada do centro da cidade e dos equipamentos de assistência oferecidos pela instituição que mantinha o abrigo. Talvez possamos dizer que essas crianças viveram algo como uma dupla suspensão da vida que conheciam anteriormente: uma causada pela vivência do desterro, do deixar para trás seu chão e suas referências; outra compartilhada por todos nós, aquela causada pela pandemia e todas as suas implicações ainda a serem mapeadas. Essas famílias chegaram de Roraima encaminhadas pelo projeto de interiorização do governo federal por sua situação de vulnerabilidade e, passado o prazo de permanência na instituição, precisaram voltar a se deslocar em busca de um novo refúgio. Ao longo do tempo em que se desenrolou a experiência, as crianças que, inicialmente, permaneciam dentro da casa em frente a uma televisão ligada a todo volume, fizeram aos poucos um movimento de sair para o quintal onde acontecia a roda, jogando bola, correndo ou brincando em volta da mesa, até que passaram a se aproximar e a pedir para bordar. Seriam esses os tempos necessários para o alinhavo de uma transferência possível? Perguntaram o que deveriam ou poderiam desenhar/escrever com as linhas e as agulhas, e rabiscaram e bordaram carros, navios, pistolas, casas - temas, brinquedos e brincadeiras que povoam as diferentes infâncias, mas também significantes que talvez nos contem dos fios que se enredam na história desses pequenos sujeitos em deslocamento, embora não necessariamente à deriva. Podemos então aproximar este bordar daquilo que entendemos como o brincar, tomando aqui este último como o formula Ricardo Rodulfo, a saber, como uma ''prática significante''? Ainda que não tivessem propósito terapêutico, que efeitos podemos supor ou entrever dos encontros de conversa e bordado no percurso dos que deles participaram? Em tempos de confinamento e isolamento, a oferta de um espaço compartilhado com ''alguém de fora'', o sentar em roda, em torno de uma mesma toalha a ser bordada a muitas mãos, quiçá, pode costurar um comum, ainda que efêmero, que possibilite seguir em trânsito, quem sabe ancorados no entre-línguas que se cartografa ao abordar um novo território. Essas são algumas das questões que servem de norte para esta reflexão.

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